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Coleção de Diários

Inaugurando a nossa Coleção de Diários, a história da Família Fonte. Eles resolveram contar essa história pra gente também em forma de vídeo. Ficou lindo. Belas imagens do Caminho e da aventura em família.

 

Dentre os caminhantes, seu Waldemar, 77 anos, que fez o Caminho de Santiago mesmo após vencer um câncer aos 70 e sofrer 2 ataques cardíacos um ano antes de fazer o Caminho. Trocou o cigarro, a má alimentação e o sedentarismo pela motivação de realizar essa jornada.

 

Quer mais inspiração que essa? Um lindo exemplo de que nunca é tarde demais para mudar e realizar sonhos!

 

Clique aqui para assistir o vídeo e leia abaixo o relato do seu Waldemar.

Foi uma experiência incrível para mim, aos 77 anos de idade, fazer o Caminho de Santiago com minha família. Meu filho mais novo, Luis, tinha feito o Caminho sozinho em 2012 e, ao longo dos 35 dias de caminhada entre Saint-Jean-Pied-de-Port e Múxia, volta e meia me escrevia e-mails contando onde estava e como se sentia. Nessas mensagens, ele sempre dizia que eu também poderia fazer o Caminho, nem que fossem apenas cinco quilômetros por dia, mesmo que eu demorasse três meses para completá-lo. Ele dizia que não existem regras, que cada um constrói seu próprio Caminho.

 

Naquela época, no entanto, eu fumava, me alimentava mal e era bastante sedentário. Por conta disso, três meses antes, tinha sofrido um infarto quase fatal. Apesar de ter me recuperado, não tinha mudado meus hábitos e, apenas tomando remédios, achava que estava bem. Pois exatamente dois dias depois de o Luis chegar em Santiago, em Agosto de 2012, eu enfartei de novo. Desta vez foi muito mais grave e tive que ser operado. Por sorte, minha filha Dulce estava em Porto Alegre e sempre do meu lado. Meu outro filho, João, que mora em Londres, pegou um vôo para o Brasil, assim como minha filha Ana, que mora em Florianópolis. O Luis, ainda na Espanha, recebia notícias esporádicas por e-mail e não conseguia passagem de avião para o Brasil.

 

O caso foi grave, mas eu não tinha consciência disso, pois passei grande parte do tempo no hospital sob o efeito de remédios. Quando, depois da operação, enfim me recuperei, recebi um ultimato da médica: ou eu mudava meu estilo de vida, ou meu coração não iria aguentar.

 

Alguns dias depois que saí do hospital, o Luis finalmente conseguiu voltar a Porto Alegre e me contou tudo o que tinha vivido durante a caminhada. Juntos, vimos o filme “The Way”, sobre um pai que perde um filho e faz o Caminho de Santiago por ele. Emocionei-me muito e revi o filme cinco, seis, sete vezes. Aquela história não saía da minha cabeça e comecei a me questionar: “Será que eu também consigo? Aos 77 anos de idade, duplamente infartado, depois de vencer um câncer aos 70…. Será que eu consigo caminhar até Santiago?”. O Luis dizia que sim.

 

Por recomendação médica e incentivo da família, parei de fumar, diminuí o consumo de carne e gorduras e, pela primeira vez na vida, comecei a comer salada (e a gostar!). Além disso, abandonei o sedentarismo e comecei a… caminhar! Cinco quilômetros por dia, todos os dias, durante uma hora. E a cada quilômetro percorrido, aumentava a vontade de fazer o Caminho.

 

“Será que eu consigo?”

 

Depois de meses caminhando cinco quilômetros por dia, uma vez por semana passei a caminhar dez. Pedi a mochila que o Luis usou no Caminho emprestada e, a partir de então, comecei a caminhar com ela, vazia, apenas para sentir a sensação. Dois meses depois, comecei a caminhar carregando um quilo de arroz na mochilinha; logo depois, já eram dois quilos.

 

Um ano depois do infarto, quando me senti pronto física e psicologicamente, tomei a decisão. Convidei três dos meus filhos (mais minha nora Luana), recebi autorização da médica e, enfim, voamos para a Espanha! Com a ajuda do Luis, fizemos um planejamento fácil. Como eu estava acostumado a caminhar dez quilômetros por dia, dividimos o percurso de Sarria até Santiago (cerca de 100 km) em dez dias. Tudo estava planejado e sabíamos mais ou menos onde iríamos dormir em cada noite. No entanto, o Luis sempre dizia: “isto é só uma idéia, não somos obrigados a seguir ela”. Para o lado psicológico, foi bom ter aquele planejamento, pois me sentia seguro e sabia que, no mínimo, os dez quilômetros por dia eu aguentaria.

 

A realidade da caminhada, no entanto, foi um pouco mais difícil do que eu inicialmente imaginei. Em Porto Alegre, eu sempre caminhava no plano e em chão calçado. No Caminho, por outro lado, as trilhas são em grande parte em estrada de chão com pedras e existem muitas, muitas subidas e descidas. Logo que saímos de Sarria, devido a uma grande subida, achei que meu coração não iria aguentar. Eu andava cinco minutos e os batimentos iam lá em cima, achava que ia explodir.

 

“Será que eu consigo”?

 

Nesses momentos, eu tinha que parar, descansar e esperar os batimentos voltarem ao normal. A caminhada foi dura, com muitas pausas: ela simplesmente não fluía. Por que inventei essa história toda? Comecei a me sentir culpado, por estar estragando o Caminho dos meus filhos, que tinham que me esperar, ao mesmo tempo que achava que tinha me enfiado em uma loucura. Mas eles ficaram do meu lado o tempo inteiro, nunca caminhavam na frente, paravam e esperavam comigo. Me disseram que não estavam caminhando para chegar em Santiago, mas sim para estarem do meu lado, para ficarem comigo e para aproveitarmos esse tempo juntos. Chegar em Compostela era um detalhe, não o objetivo.

Gostou da história? Se sim, você pode compartilhá-la com seus amigos aqui:

 

Quem: Família Fonte (de Porto Alegre, RS)

Waldemar (77 anos), Ana (51), João (31), Luis (30) e Luana (32)

 

Ponto de início e fim: de Sarria até Santiago de Compostela (e depois de carro até Finisterra e Múxia)

 

Quando: Setembro de 2013

 

Quantos dias: 6

 

Quantos quilômetros: 115 km

 

RELATO DO SEU WALDEMAR

Neste dia, caminhamos apenas cinco quilômetros e logo paramos para descansar em uma bela pousadinha. Dormi bastante, recuperei as forças e, no dia seguinte, me sentia forte e motivado. Durante as subidas, por sugestão do Luis, comecei a subir em zigue-zague ou de costas, o que ajuda a diminuir a força necessária nos pontos íngremes. Aos poucos, fomos pegando o ritmo da caminhada, aproveitando cada pequeno momento e, importante, tomando muita água. Neste dia, para minha surpresa, caminhamos 18 km!

 

No dia seguinte, como a pessoa do albergue nos disse que a caminhada começaria com um trecho de 12 km de subida íngreme, fizemos uma reunião e tomamos uma decisão que, a primeira vista, poderia ser mal vista. Mas, como eu aprendi na prática, o Caminho não tem regras e cada um faz o seu Caminho do seu jeito, sem medo de julgamentos. Por isso, decidimos pegar um táxi para fugir dessa parte. Foi uma decisão acertada, pois começamos a caminhada cheios de gás e neste dia conseguimos caminhar 12 km (mais os 12 do táxi, deu um total de 24 percorridos neste dia).

 

No quarto dia fomos indo, indo, sem nos preocupar com o lugar onde iríamos dormir e, quando vimos, estávamos ainda cheios de gás quando chegamos no destino previamente planejado. Por isso, decidimos seguir sem rumo, até o próximo ponto. Neste dia, para nossa própria surpresa, caminhamos 20 km! No quinto dia, novamente mais 20 km! E, no sexto e último, mais uma vez 20 km e já estávamos em Santiago, aos pés da catedral! Inacreditavelmente e para nossa própria surpresa, terminamos o Caminho em seis dias, ao invés dos dez inicialmente planejados!

 

Por isso, como ainda tínhamos tempo de sobra, decidimos ir até Finisterra e Múxia, pois eu gostaria muito de conhecer os locais que eu vi no filme “The Way”. Não fomos caminhando até lá, mas mesmo assim valeu muito a pena. Adorei conhecer essas prainhas, me emocionei ao lembrar do filme e, claro, foi muito bom poder descansar um pouco e aproveitar os dias em tranquilidade com a minha família.

 

 

Hoje em dia, quando revejo as fotos da nossa caminhada, quando me lembro daqueles dias tão bonitos na companhia dos meus filhos, dos desafios, da paciência deles, da nossa força de vontade, da persistência e dos aprendizados, eu me emociono e sinto bastante saudades. Quando deito a cabeça no travesseiro e deixo os pensamentos voarem até Compostela, um sentimento muito forte e bonito me invade.

 

Sim, junto com a minha família, aos 77 anos de idade, duplamente infartado e depois de vencer um câncer, com muita força de vontade e paciência…

 

…nós conseguimos!

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